20 de outubro de 2020
A publicação da Lei nº 13.935 de 11 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e de Serviço Social nas redes públicas de educação básica, representou uma importante vitória para a política pública de educação. Contudo, para que essa Lei seja efetivada, é necessário que seja aprovada a regulamentação dos serviços previstos. Nesse sentido, a participação das categorias profissionais e da sociedade é fundamental nesse processo.
Atendendo a da necessidade de mobilização e qualificação do debate na região, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) e o Conselho Regional de Serviço Social do Distrito Federal (CRESS/DF) lançam a campanha Na sua escola tem psicóloga e assistente social?, convidando profissionais da área, o Poder Público e a população do DF a conhecer a Lei a apresentar suas contribuições para viabilizar a implementação da Lei nº 13.835 no DF.
Um pouco da história da Lei 13.935/2019
Texto: Kênia Augusta Figueiredo[1]
A conquista da Lei 13.935/2019 que determina dos serviços de psicologia e serviço social nas escolas de educação básica da rede pública tem uma longa história. Como temos passado! Desde o primeiro projeto de lei apresentado no ano 2000 muitas coisas aconteceram. Foram praticamente 20 anos de luta, de idas e vindas, resistência e enfrentamentos. Trata-se, portanto, de uma sólida construção coletiva e que certamente não se encerra agora.
O papel desempenhado pelo conjunto CFESS/CRESS na construção e condução desse processo do Serviço Social na Educação tem sido fundamental para a conquista e implementação da Lei tanto em virtude do monitoramento no Congresso quanto na contribuição para o debate sobre a atuação dos assistentes sociais na política de Educação. Claro que nessas duas frentes de ação conta-se sempre com parceiros como são as entidades de representação da psicologia e os pesquisadores e especialistas da área.
Sobre o monitoramento no Congresso é importante revisitar a história especialmente nesse momento em que a desinformação e a apropriação das conquistas populares tem se tornado inclusive estratégia de governo. A Lei 13.935/2019 é prova viva de como as leis sociais são elaboradas nesse país, requerendo dos trabalhadores uma organização e capacidade de pressão e de articulação que por vezes atravessam décadas, como nesse caso.
Mas, vamos aos fatos. No ano 2000 foi apresentado um Projeto de Lei (PL) que indicava a introdução de assistentes sociais no quadro de profissionais da Educação em cada Escola. O texto justificado em virtude da evasão escolar apontava que a função do profissional de Assistência Social na escola estava voltado para o acompanhamento dos alunos na escola e na comunidade. Bom, de acordo com a Constituição Federal de 1988, Assistência Social é política pública que compõe a Seguridade Social. Coube ao CFESS procurar os deputados para esclarecer e pedir alteração.
Em 2001, uma deputada responsável pela relatoria da Comissão de Educação, Cultura e desporto justifica a importância do PL pois os assistentes sociais são dotados de técnicas advindas do Serviço Social de Caso, grupo e comunidade. É bom dizer que entre 2002/2003 começam a dar entrada outros projetos que inclusive tratavam da presença dos psicólogos na Educação.
Em 2005, na comissão de Educação e Cultura a deputada relatora[2] apensa ao projeto inicial de 2000 cerca de outros oito projetos e propõe uma nova redação que também não irá nos atender pois prevê que o atendimento aos educandos seja feito por profissionais de saúde pelo SUS e por meio da política de Assistência Social. De acordo com a relatora na estrutura educacional brasileira, o acompanhamento do processo de desenvolvimento integral dos alunos, em colaboração com os professores e as famílias é atribuição dos profissionais da educação no desempenho das funções de suporte pedagógico direto à docência, em especial, dos orientadores educacionais. Portanto, não seria adequada a inclusão de assistentes sociais e psicólogos entre os profissionais da educação, que são aqueles habilitados para o exercício da docência ou para funções de suporte pedagógico à docência aí compreendidas as atividades de administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional na educação básica (LDB, artigos 62 e 64).
Ainda para a deputada psicólogos e assistentes sociais são profissões estruturadas, com área de atuação mais abrangente do que o sistema educacional. Sua presença na educação básica consiste em uma especialização, mas não os transforma em profissionais da educação. Da mesma forma que um pedagogo pode atuar em instituições não educacionais – empresas e órgãos públicos– sem deixar de constituir-se em profissional da educação.
É importante revisitar esses argumentos pois nesse momento da implantação da lei em que o financiamento está em questão muitos tendem a confundir, por ignorância ou oportunismo, Assistência Social com Assistente Social. Parece óbvio, mas não é. Não se trata de operar a política de Assistência Social ou ainda praticar assistência ou mesmo assistencialismo na Educação. Trata-se de analisar e intervir nas expressões da Questão Social que se manifestam no ambiente escolar. É preciso num diálogo franco para fazer entender que o objeto do Serviço Social é a Questão Social, sendo as políticas sociais o lócus de atuação do Serviço Social.
Daí que a/o assistente social que atuar na Educação deve se especializar sobre seu universo. Deve buscar compreende-la inscrita na totalidade da dinâmica do capitalismo, nas particularidades deste para países como o nosso, tendo a escola uma função social, sendo a educação um direito social. Importa também destacar que as atribuições e competências dos assistentes sociais são orientadas e norteadas pelos princípios, direitos e deveres inscritos no Código de Ética Profissional de 1993 (CEP), na Lei de Regulamentação da Profissão (Lei 8.662/1993), bem como nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996) uma vez que neles estão presentes os fundamentos do projeto ético-político profissional hegemônico no serviço social brasileiro, gestado ao final dos anos 1970.
Retomando a história, em 2007 o PL continuou sua tramitação e foi aprovado na Câmara considerando a presença de psicólogos e assistentes sociais na Educação, mas não a inclusão destes na Educação. Deveriam então prestar serviços por meio da Assistência Social e Saúde. Aprovado o PL este seguiu para o Senado como PL060/2007 onde finalmente em 2010, em turno suplementar foi aprovado após articulação com o Senador Flávio Arns quando da sua apreciação na Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS). Na oportunidade o senador acatou os argumentos das entidades de representação – CFESS e CFP – Conselho Federal de Serviço Social e Conselho Federal de Psicologia e apresentou um substitutivo que teve aprovação naquela comissão. O substitutivo estabeleceu a obrigatoriedade dos serviços de psicologia e serviço social nas escolas de educação básica da rede pública.
Em decorrência dessas alterações o projeto retornou à Câmara Federal reiniciando a tramitação nas Comissões de Seguridade Social e Família (CSSF), de Educação (CE) e Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Nesse período de tramitação do PL, houve comparecimento do CFESS às sessões das comissões quando a matéria foi votada. Moções de apoio ao Projeto Lei foram aprovadas nos Encontros Nacionais CFESS/CRESS. No Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – CBAS, de 2010 o PL foi tema do ato político realizado em Brasília…enfim…como temos passado!
Muitas articulações das entidades da nossa categoria, incluindo a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS, todas as entidades de representação das e dos psicólogos fizeram gestão junto a entidades como: União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Associação Brasileira de Municípios (ABM), Confederação Nacional de Municípios (CNM), Confederação Nacional de Trabalhadores na Educação (CNTE) para que a Lei fosse aprovada.
A partir de julho/2015, o PL ficou pronto para ser incluído na Ordem do Dia (pauta) de votação do Plenário da Câmara de Deputados. Mas, ainda não foi dessa vez apesar dos apoios. Estava em questão a fonte de recursos que iria garantir o pagamento desses trabalhadores. Nesse período o CFESS contratou inclusive para a elaboração de Nota Técnica sobre os impactos orçamentários relacionados à aprovação da Lei o professor Evilásio Salvador, da Universidade de Brasília.
Nesse período também se inicia as discussões sobre o Fundeb – como um instrumento permanente de financiamento da educação básica pública com a possibilidade de incluir na folha de pagamento psicólogos e assistentes sociais. Foi na esteira da luta contra os desmontes das políticas sociais, no calor da resistência que a lei 13.935 foi aprovada no final de 2019, tendo a luta pelo Fundeb crescido em importância por ser ela uma possibilidade para se concretizar a presença dos psicólogos e assistentes sociais na Educação.
No entanto, é preciso conversar sobre isso uma vez que a aplicação do Fundeb não pode nos dividir. Sabemos que há muitas necessidades na Educação, inclusive as que versam sobre os contratos precarizados dos profissionais já reconhecidos como da Educação. É preciso que estejamos juntos para lutar contra o projeto conservador que vem crescendo no país; por mais verbas para a Educação e por melhores salários e condições de trabalho para os trabalhadores da Educação, sendo este também nosso lugar por termos o que oferecer e contribuir.
Precisamos construir pontes no sentido de que aja o reconhecimento das contribuições que o Serviço Social e a Psicologia podem dar à Educação e de que se tratam de profissões que se especializam à política na qual estão inseridas e não o contrário como praticar outras políticas públicas no ambiente escolar, sendo no nosso caso muitas vezes identificado como assistencialismo.
A presença de assistentes sociais no campo da Educação – seja atuando diretamente nas escolas, seja exercendo papeis na gestão dos sistemas públicos de educação – é fundamental para que se efetive, cada vez mais, a universalização da educação como direito fundamental a todas e todos.
[1] Conselheira do Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, 2020/2023. Docente no Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília. Doutora em comunicação e mestre em Serviço Social e políticas sociais.
[2] PROJETO DE LEI N o 3.688, DE 2000 (Apensados o PL nº 837/2003, e os apensos deste, os PL nº 1.497/2003, nº 1.674/2003, nº 2.513/2003, nº 2.855/2004, nº 3.154/2004 e nº 3.613/2004 e o PL nº 1.031/2003 e seu apenso PL nº 4.738/2004 ) Dispõe sobre a introdução de assistente social no quadro de profissionais de educação de cada escola Autor: Deputado JOSÉ CARLOS ELIAS Relatora: Deputada CELCITA PINHEIRO. Junho de 2005.
Para acessar as orientações referentes a regulamentação da Lei no 13.935, de 2019, no âmbito dos estados e municípios, acesse a publicação:“Psicólogas (os) e Assistentes Sociais na rede pública de educação básica: orientações para regulamentação da Lei no 13.935, de 2019”, elaborado pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselho Federal de Psicologia (CFP), juntamente com entidades das duas categorias.
Para mais informações acesse:
/blog/servico-social-e-psicologia-nas-escolas-a-luta-nao-pode-parar/
CFESS e CFP debatem estratégias em defesa do Serviço Social e da Psicologia na Educação
CFESS, CFP e entidades se reúnem com a Associação Brasileira de Municípios
Agora é lei. Assistentes sociais e psicólogos/as na educação básica